domingo, 11 de outubro de 2015

9o Congresso Mundial do Cérebro: quando as neurociências do mundo se reuniram no Brasil !

Do you like this post?

Na edição de agosto de 2015 (No. 159) de Scientific American Brasil, o artigo a seguir saiu na coluna Observatório, escrito logo antes da realização, no Rio de Janeiro, do 9º Congresso Mundial do Cérebro da IBRO, uma honraria que prestigiou toda a ciência que desenvolvemos em nosso país. Chegando com algum atraso neste blog, os interessados podem ler, a seguir, uma versão ampliada e atualizada do original.

Os interessados em conhecer mais sobre esta área no país, podem assistir aos vídeos do NeuroChannel:

https://www.youtube.com/user/neurochannel1



9º Congresso Mundial do Cérebro: 
as neurociências do mundo reunidas no Brasil !
https://www.lojasegmento.com.br/produtos/?do_lobo_ao_cao&idproduto=4143&action=info












S.A.B. l nº 159 (agosto 2015)
    De 7 a 11 de julho de 2015, os neurocientistas de todo o mundo voltaram seu olhar para o Brasil.  Realizou-se, no Rio de Janeiro, o 9o Congresso Mundial do Cérebro, o encontro quadrienal da International Brain Research Organization (IBRO). Foi a primeira vez que esse importante encontro realizou-se nas américas, e a escolha do Brasil significa nada menos que o reconhecimento da alta qualidade da pesquisa neurocientífica que aqui fazemos. Sem dúvida, uma importante conquista.

    Foram 150 palestrantes de 23 países falando para um público de mais de 2400 especialistas, do Brasil e do exterior, cobrindo os mais variados assuntos de ponta que vão da dependência de drogas à epilepsia, células-tronco, estresse, memória, esquecimento, Doença de Alzheimer, apreciação musical, envelhecimento, neuroimunologia, modelos computacionais, e os limites da neuroética. As apresentações incluíram conferências, simpósios e sessões de cartazes nas quais pesquisadores, pós-graduandos e estudantes puderam discutir seus achados, interagindo com os melhores em cada especialidade.
    Muito se fala no crescimento da ciência brasileira, que está entre os mais notáveis entre os assim chamados países do terceiro mundo: em 2011 passamos a ser o 13o país do mundo em número de artigos publicados, embora, no quesito qualidade (impacto, citações), ainda sejamos apenas o 40o lugar. Superamos Argentina e México, e mesmo Índia em termos de produção científica, e ficamos atrás apenas da China, o que é compreensível, já que esta nação galgou à 2a posição mundial, ficando atrás apenas dos EUA, em função de investimentos maiores e mais determinados. Nossos números progrediram, mas fica aquela impressão de que não fazem jus ao fato de sermos a 8a economia do planeta, em que pese a crise que vivemos. A realidade é que não existe atalho que compense a falta de experiência como aquela acumulada pelas nações mais avançadas, algumas com séculos de tradição na busca organizada pelo conhecimento.

    Na ciência brasileira, as ciências biológicas e da saúde estão entre as que mais crescem, e, dentro dessas, as neurociências, básicas ou clínicas, se destacam cada vez mais, como se nota, por exemplo, no crescimento no número de participantes em reuniões científicas como aquelas que a Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC) organiza há 38 anos. Nestes eventos, o que mais chama a atenção é a presença maciça de jovens cientistas dando seus primeiros passos na pesquisa, um diferencial que temos em relação a maioria dos outros países. Tal característica deve-se a programas de apoio como os de bolsas de iniciação científica – caso único no planeta – e do recente estímulo à Pós-Graduação, com bolsas e outros recursos – impulso que, infelizmente, começamos a perder com o avanço da crise e os cortes (equivocados) no financiamento governamental.

    As neurociências no Brasil se desenvolveram ocupando nichos pre-existentes nas áreas de fisiologia, anatomia e farmacologia, que por sua vez, são subdivisões históricas das ciências da vida surgidas no século XIX. Pode-se sistematizar subdivisões do conhecimento mediante (a) argumentos ontológicos – baseados na natureza em si da categoria (por exemplo, vivo X não-vivo, básico X aplicado), (b) razões epistemológicas – que relevam características conceituais (funcional X estrutural, estático X dinâmico, etc) bem como a própria cronologia histórica das disciplinas, ou seja, “quem surgiu antes” (a física precedeu a química, que antecedeu a biologia, e assim por diante), ou mesmo (c) aspectos pragmáticos – a conveniência prática de assim classificar (facilidade de agrupar linhas com características em comum, formas de financiamento, conveniência didática, razões políticas ou mesmo puro e simples modismo). Áreas recentes da ciência como a astrobiologia, as nanociências e as neurociências vieram sacudir a poeira de velhas subdivisões cujas delimitações começaram a diluir-se diante dos avanços tecnológicos e conceituais. No começo, parecia suficiente trabalhar com as divisões clássicas complementadas por adjetivos algo vagos como “interdisciplinar”, “transdisciplinar” e “multidisciplinar” (esta última me parece o termo mais claro dos três), mas em algum momento não se pode mais escapar de “fundar” uma nova classificação. É assim que surgiram novas áreas do conhecimento, novas disciplinas acadêmicas, novos departamentos, novas agremiações profissionais e mesmo novos títulos de periódicos. Algumas serão problemáticas e não sobreviverão, mas a história é uma catraca que não para de avançar quando se trata de consolidar as reclassificações que aportam vantagens  reais e imediatas.

    Essas considerações  são necessárias para entender o sucesso das neurociências, que se verifica em todo o mundo, não apenas aqui. Ao ponto de vermos as Neurociências glamourizadas em revistas de divulgação, documentários e mesmo referências na cultura popular – estamos vivendo uma era de verdadeira neuromania. A transgressão favorita hoje, aliás, é recontar os conhecimentos da velha psicologia sob nova roupagem “neuro”... Mesmo assim, até hoje podemos encontrar posições algo conservadoras ou mesmo intolerantes, oriundas do coração das áreas mais “tradicionais”, que questionam se deveria ou não existir essa sub-área das ciências biológicas a que chamamos “neurociências”, como se fosse uma classificação arbitrária e meramente oportunista, tão boa em si como, digamos, “cardiociências”, “hepatociências” ou “dermociências” – referências claras a órgãos tão ou mais importantes quanto o encéfalo, no caso, o coração, o fígado e a pele. Mas então, por que são tão raros os congressos, sociedades ou departamentos com tais nomes (se bem que publicações até existem)? Pode ser por que ninguém teve a idéia ainda, mas também é possível que tal agrupamento não traga vantagens óbvias sobre as classificações pre-existentes: para que valha a pena parirmos uma nova área, algo de “novo” tem de surgir.

    De fato a astrobiologia é a única das três neodisciplinas supracitadas que, além de francamente multi e interdisciplinar, possui hipóteses testáveis singularmente próprias (“existe vida alhures?”), sendo de natureza mais epistemológica que pragmática. As nanociências não deixam de ser um novo nome para uma parte da velha química, porém revisitada pela física das pequenas dimensões, permitindo enfatizar as novidades que traz, ou seja, as propriedades “nano”, antes pouco percebidas, especialmente no domínio tecnológico. As neurociências também são multi e interdisciplinares, fundindo sobretudo as clássicas fisiologia, anatomia e farmacologia “do sistema nervoso”, de longa história (além da psicologia), mas sua abrangência, indo do molecular ao celular ao organísmico, ao comportamental, e a complexidade dos problemas não resolvidos pelas abordagens precedentes, favoreceu o reagrupamento conceitual, e explica seu enorme sucesso.

    Assim, a vocação nacional de nossas neurociências acabou historicamente expressando-se em áreas como psicofarmacologia, memória, ansiedade, visão, neuroetologia, epilepsia, sono e modelos computacionais, para citar algumas das principais Não deveria surpreender, portanto, que o homenageado especial e Presidente de Honra deste Congresso tenha sido o Professor Ivan Izquierdo – ex-professor da UFRGS e hoje na PUCRS – pioneiro nos estudos da farmacologia da memória e um dos mais citados cientistas brasileiros de todos os tempos. Izquierdo foi vencedor da Medalha Neurociências Brasil 2007 da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC), entidade que congrega mais de três mil pesquisadores, pós-graduandos e estudantes da área em todo o país, e que foi a organizadora local deste grande encontro realizado em julho passado na cidade maravilhosa.

    Portanto, que vivam as neurociências!

Nenhum comentário: